Da Ineficácia da Política de Extermínio
Da ultrapassada e criminosa política de saúde adotada pelo poder público decorre o crescente número de cães e gatos, que pelas ruas vagam, padecendo de fome e de sede, das doenças e dos maus-tratos de que se tornam alvo os animais abandonados.
Pretendem as municipalidades controlar as zoonoses e a população de animais abandonados, adotando para tal o simplista e inclemente método de eliminação sistemática e indiscriminada de qualquer animal encontrado solto nas ruas que não seja reclamado em poucos dias.
Era o que, em síntese, recomendava o 6º Informe Técnico da Organização Mundial de Saúde, datado de 1973, em desuso na maior parte do mundo pela sua ineficácia e indignidade, o qual recomendava a captura e o sacrifício de cães errantes como único método efetivo de controle da população canina.
Entretanto, a Organização Mundial de Saúde, analisando a aplicação do método de sacrifício em vários países, concluiu pela sua ineficácia no tocante ao controle da população canina e ao combate da raiva, preconizando, em seu 8º Informe Técnico, datado de 1992, o controle de natalidade de cães e gatos e a educação da comunidade. É o que conclui o Informe no Capítulo 9.3, p.57:
“A pesquisa realizada pela OMS entre 1981 e 1988, como parte do projeto AGFUND/OMS no combate à raiva humana e canina nos países em desenvolvimento, revelou que:
(…)
– os programas de eliminação de cães, em que cães vadios são capturados e sacrificados por métodos não humanitários, são ineficazes e caros”.
Essa conclusão é reiterada pela OMS, no item 9.4, p. 59, do aludido Informe:
“Não existe nenhuma prova de que a eliminação de cães tenha gerado um impacto significativo na densidade das populações caninas ou na propagação da raiva. A renovação das populações caninas é muito rápida e a taxa de sobrevivência delas sobrepõe facilmente à taxa de eliminação (a mais elevada registrada até hoje gira em torno de 15% da população canina)”.
Corroborando esse entendimento, esclarece o Instituto Pasteur, em seu Manual Técnico, nº 6, p. 20:
“A apreensão e a remoção de cães errantes e dos sem controle, desenvolvidas sem conotação epidemiológica, sem o conhecimento prévio da população e segundo técnicas agressivas e cruéis, têm mostrado pouca eficiência no controle da raiva ou de outras zoonoses e de diferentes agravos, devido à resistência imediata que suscita e à reposição rápida de novos espécimes de origem desconhecida que, associadas à renovação natural da população canina na região, favorecem o incremento do grupo de suscetíveis”.
Tendo em vista que uma só cadela pode originar, direta ou indiretamente, 67.000 (sessenta e sete mil) cães num período de 6(seis) anos, segundo as publicações de Thornton (Thornton, G.W. Pet overpopulation: Why is a solution so illusive? Urban Animal Management Discussion Papers, v. 18, 1993, e Thornton, G.W. The welfare of excess animals: status and needs. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 200, nº 5, p. 660, 1992), e que um macho, antes de ser conduzido ao extermínio, já inseminou várias fêmeas, não é difícil deduzir que matar não soluciona o problema.
O método atualmente adotado, além de ineficaz, é altamente dispendioso, uma vez que o poder público investe consideráveis somas para que sejam os animais apreendidos, confinados e eliminados, sem que desse proceder resulte qualquer valia para a saúde pública, o que revela má gestão dos interesses públicos.
As verbas destinadas à eliminação deveriam ser aplicadas em efetivo programa de esterilização, para que seja a natalidade controlada, uma vez que essa é a única forma eficaz de se reduzir a população de animais, como enfatiza o Informe, no anexo 4, p. 124:
“O método mais simples e mais amplamente empregado para o controle da reprodução consiste em impedir o cruzamento através da restrição da liberdade de movimento ou do confinamento das cadelas no cio. Outros métodos (injeções de hormônios e esterilização) são muito caros. A captura e a eliminação de cães não são mais consideradas medidas de controle eficazes, se bem que se possam obter benefícios indiretos através de eliminação seletiva de cães não vacinados, que não estejam em conformidade com as normas de controle e costumam se amontoar nos restos de mercados, matadouros e fábricas de alimentos. A eliminação desses animais deve ser considerada somente se puder impedir que outros cães ocupem seu lugar ecológico”.
Cumpre esclarecer que a menção à onerosidade da esterilização se deve ao fato de que o informe data de 1992, quando os valores eram os estipulados por médicos veterinários, uma vez que ainda não se cogitava de castrações a baixo-custo. Atualmente, graças a novas técnicas cirúrgicas e às campanhas de esterilização a baixo-custo, já se reconhece a esterilização como método menos dispendioso do que o extermínio.
A OMS apenas recomenda a eliminação naquelas específicas situações de animais não vacinados, que não terão seu espaço ocupado por outros, após serem mortos, o que não é o caso dos animais que vagam soltos pelas vias públicas, que tem seu espaço ocupado tão logo sejam capturados.
Estima-se que o método de extermínio de animais teria eficácia se 80% (oitenta por cento) dessa população fosse eliminada em 60 (sessenta) dias, período correspondente à gestação de uma cadela, e os 20% (vinte por cento) restantes esterilizados dentro desse mesmo período de tempo, o que representa tarefa impossível de ser cumprida em qualquer parte do mundo.
Conclui-se que há mais de dez anos, desde que a OMS editou o último informe, caiu por terra o argumento técnico pretensamente justificador da eliminação de animais saudáveis errantes pelo poder público. As autoridades em saúde pública e os agentes dos centros de controle de zoonoses (CCZ’s), ávidos por submeterem os animais ao que chamam de “eutanásia”, termo de gritante eufemismo, já não encontram respaldo para praticá-la.
Se os argumentos de ordem legal e moral contra a eliminação de animais saudáveis foram relegados até então, é inaceitável que as autoridades públicas adotem a mesma postura quanto aos fundamentos técnicos baseados em experiências de diversos Estados e estudos da Organização Mundial de Saúde, agindo em desacordo com as mais elementares regras que devem nortear o controle da natalidade e a prevenção do vírus rábico entre outras zoonoses.
Do Controle da Raiva
Quanto ao controle da raiva, importa esclarecer que a vacinação em massa é o meio próprio e suficiente ao controle do vírus rábico, conforme asseverou Albino J. Belotto, coordenador do Programa de Saúde Pública Veterinária da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS, Washington, D.C., USA), em palestra intitulada “Situação Epidemiológica da Raiva – Panorama Mundial”, ministrada em simpósio internacional sobre “Controle de Zoonoses e as Interações Homem – Animal”, conforme consta dos anais, p. 26:
“A principal ação de controle da raiva urbana em todo o mundo tem sido a vacinação de cães. Essa é uma estratégia mundialmente aceita e de eficácia indiscutível. Alguns países colocam muita ênfase na captura e na eliminação de cães. Essa estratégia utilizada, de forma isolada, apresenta resultados limitados e é difícil de ser mantida a longo prazo, pelo alto custo e pela não–aceitação social, embora num primeiro momento possa-se ter um efeito rápido. A vacinação sistemática de cães nas áreas de risco, o controle populacional, por meio da captura e esterilização, aliados à educação para a posse responsável de animais são as estratégias aceitas mundialmente com diferentes níveis de implementação para cada região do mundo”.
O palestrante citou vários exemplos de países que reduziram drasticamente a incidência da raiva humana e canina unicamente com a vacinação, como a China, Sri Lanka, Tunísia, dentre outros:
“O México é um país que obteve grande sucesso no controle da raiva nesta década. Em 1990, registrou-se no país 60 casos de raiva humana. Para um quadro de 7 milhões de cães vacinados no mesmo ano, registrou-se cerca de 6 a 7 mil casos de raiva canina. Em 2000, eles vacinaram 14 milhões de cães e a raiva canina baixou para menos de 200 casos. Houve apenas dois casos de raiva humana, sendo que nenhum deles transmitido por cão. Quando se aplicam as medidas no país inteiro, como no caso do México, com 100 milhões de habitantes, se observa o resultado positivo num curto espaço de tempo”.
E assim conclui:
“O conceito é esse: se vacinar, controla. A nossa conclusão é a de que raiva humana transmitida por cão é falta de vontade política, falta de compromisso com a saúde pública, porque realmente nós temos muitos problemas de difícil solução, mas a raiva canina não é. Temos que lidar com outras formas de raiva por animais silvestres, que são muito mais difíceis de controlar, são quase acidentes. Mas no que se refere à raiva canina, nós temos todas as informações disponíveis, a tecnologia, o conhecimento epidemiológico, técnico e científico para eliminar esse problema, como demonstra a experiência em diversas partes do mundo”.
A política de saúde pública atualmente adotada, além de não controlar as doenças zoonóticas de forma eficaz, ainda as dissemina. É o que se verifica nos próprios métodos de captura, em que os animais são colocados na carrocinha, que é um veículo com jaula única, onde são agrupados de forma indiscriminada, propiciando a proliferação de moléstias, já que animais doentes e sadios compartilham o mesmo espaço.
Deveria o órgão gerenciador do CCZ se ocupar de efetivos programas de educação para a posse responsável de animais, que esclarecesse a sociedade sobre a relevância da vacinação, esterilização e adoção de animais, e desestimulasse o abandono.
A vacinação deve se estender aos animais de rua, e não somente aos que estão domiciliados. Enquanto alguns são apreendidos, muitos permanecem nas ruas, procriando desenfreadamente e disseminando doenças, pois não estão vacinados. Relembre-se que a taxa de eliminação não consegue se sobrepor à da reprodução, como já concluiu a OMS.
Se os animais fossem capturados para fins de vacinação e esterilização, a quantidade de errantes diminuiria drasticamente, bem como o risco de propagação de doenças.
Conforme já constatado pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Nacional de Saúde, a persistência de casos de raiva em animais faz pensar na falta de qualidade e eficácia das medidas sanitárias adotadas, uma vez que o sucesso no controle da raiva canina depende de uma cobertura vacinal de, no mínimo, 80% (oitenta por cento), o que não ocorre em grande parte dos municípios brasileiros. As campanhas de vacinação são falhas à medida que não são realizadas de casa em casa e a população de baixa renda nem sempre tem como transportar o animal até um posto de saúde, cujo acesso só seria possível por meio de transporte coletivo, por se localizar em local distante da residência do guardião ou responsável (opta-se por estes vocábulos, mas consentâneos com a realidade hodierna e o sistema constitucional de princípios, direitos e garantias, do que os termos reducionistas e falsos de “dono” ou “proprietário”). As campanhas de vacinação deveriam ter a sua divulgação intensificada, o que também como se encontra demonstrado não ocorre, e contar com um número maior de postos em bairros mais distantes, inclusive com a existência de postos móveis.
Da Ilegalidade da Política de Extermínio
Em nome de medidas ineficazes de controle populacional e ultrapassadas sob o aspecto epidemiológico, vem os centros de controle de zoonoses cometendo a atrocidade de exterminar dezenas de animais sadios diariamente, em ofensa à legislação pátria que estabelece medidas de proteção aos animais. Relevante, para a exata compreensão deste pensamento, transcrever os fundamentos jurídicos de tutela dos animais.
Dispõe a Constituição da República, no capítulo do Meio Ambiente:
“Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1° – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(…)
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
(…)
§ 3° – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. (grifos nossos)
E a Constituição do Estado de São Paulo consagra a mesma proteção:
Art. 193 – O Estado, mediante lei, criará um sistema de administração da qualidade ambiental, proteção e controle e desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado de recursos naturais para organizar, coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, assegurada a participação da coletividade, a fim de:
(…)
X – proteger a flora e a fauna, nesta compreendidos todos os animais silvestres, exóticos e domésticos, vedadas as práticas que coloquem em risco a sua função ecológica e que provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, e fiscalizando a extração, produção, criação, métodos de abate, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos.
A tutela aos animais, já preconizada pela norma constitucional, foi contemplada pelo artigo 32 da Lei nº 9.605/98 , que assim tipificou o crime ambiental de maus-tratos para com animais:
“Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
(…)
§ 2º – A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se ocorre morte do animal”.
Vê-se, portanto, que os animais todos – mesmo os domésticos – submetem-se à tutela jurídica estatal, sobrevindo interesse público na sua preservação e defesa. E a proteção conferida não se limita ao resguardo de sua integridade física, mas ao seu sagrado direito à vida, conforme se depreende dos imperativos éticos e morais insertos nos diplomas acima mencionados.
Para demonstrarmos a ilegalidade dessa matança, podemos ainda invocar a Lei Federal 6.938/1981, que dispõe sobre política nacional de meio ambiente, que, em seu artigo 3º, o define como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (grifo nosso)
Transparece, pois, que a proteção conferida ao animal não se limita à integridade física, mas, sobretudo, à vida, uma vez que esse direito é elementar e consiste em pressuposto à existência do bem-estar e da integridade física do animal, objetos de tutela constitucional e penal. É de natureza pública, portanto, o interesse em sua proteção.
Tanto isso é verdade que o artigo 37 da Lei dos Crimes Ambientais considera crime matar animal não nocivo:
“Art. 37 – Não é crime o abate de animal, quando realizado:
(…)
IV – por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente”.
Advirta-se que pode ser considerado nocivo o animal que ofereça risco concreto à segurança e à saúde da população. Ofende a segurança o animal de ferocidade comprovada e irreversível. Atenta contra a saúde o animal que padeça de enfermidade incurável e contagiosa. Fora dessas hipóteses, a eliminação é criminosa e arbitrária.
O jurista EDIS MILARÉ, ao comentar o assunto, em sua obra “Direito do Ambiente”, p. 466 (São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001), lamenta que o conceito de nocividade animal decorre, na prática, de mera conveniência daqueles que querem matá-los:
“A ressurreição do conceito superado de animal ‘nocivo’, que desconsidera toda a complexa teia de relações ecológicas entre as espécies, e remete à lixeira a visão holística do meio ambiente, escancara uma porta ao extermínio de qualquer população animal que, num dado contexto, possa prejudicar determinado interesse (…)”.
E o Decreto Federal 24.645/1934 – que possui força de lei por ter sido editado em período de excepcionalidade política -, ao condenar a eliminação de animais saudáveis, estabelece as hipóteses em que essa eliminação não pode ser considerada criminosa:
“Art. 13 – As penas desta lei aplicar-se-ão a todo aquele que infligir maus-tratos ou eliminar um animal, sem provar que foi por este acometido ou que se trata de animal feroz ou atacado de moléstia perigosa”.
Muito invocada pelas autoridades em Saúde Pública, entretanto, é a Portaria 1.399/1999 do Ministério de Estado da Saúde, que preleciona:
“Art. 3º – Compete aos Municípios a gestão do componente municipal do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e Ambiental em Saúde, compreendendo as seguintes atividades:
(…)
X – registro, captura, apreensão e eliminação de animais que representam risco à saúde”; (grifo nosso)
Vê-se que o ato normativo invocado não se presta a justificar a eliminação de animal saudável, não só por inobservância do princípio da legalidade, que explicita a subordinação da atividade administrativa à lei, mas também porque a citada Portaria restringe tal eliminação aos animais que representem risco à saúde, o que não ocorre , já que os animais são eliminados indiscriminadamente pela Municipalidade , não importando o fato de representarem risco, ou não, à saúde humana. O órgão controlador de zoonoses mata animais pelo só fato de não terem sido reclamados por seus proprietários, ou por não terem sido adotados, o que em tudo contraria a legislação vigente, inclusive, a referida Portaria.
Como ensinou Hans Kelsen, entre uma norma de escalão superior e outra de escalão inferior, não pode haver qualquer conflito, sob pena de invalidação desta. Uma lei só se mostra válida na medida em que se conforme à Constituição da República. É o princípio da supremacia constitucional. É nos preceitos insertos na Carta Magna que deve o legislador se inspirar e com eles guardar fiel adequação.
Se a norma constitucional veda a submissão de animais à crueldade, por óbvio que não consente na eliminação injustificada desses animais, pelo que é patente a afronta ao texto constitucional. Entendimento diverso refoge ao bom senso.
Ademais, as normas que autorizam a captura e a eliminação de animais , sem exceção, estampam em seu preâmbulo que têm por finalidade o controle das doenças. Esse , portanto, é o fim legal a ser perseguido pela atividade administrativa que inspirou o legislador e que vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação.
Quanto à finalidade dos atos, é oportuno lembrar, não cabe discricionariedade alguma à atividade administrativa que fica em tudo adstrita à lei. A análise da conveniência da Municipalidade em proceder à esterilização e à vacinação em massa não encontra amparo legal, uma vez que quanto à competência , à finalidade e à forma a autoridade está subordinada ao que a lei dispõe. Cuida-se, pois, de ato vinculado, e não discricionário.
A política de saúde há de ser exercida nos estritos limites traçados pela lei. A relevância pública que se atribui à saúde da coletividade não autoriza Municipalidade a fazer uso de procedimentos que impliquem sofrimento aos animais, sobretudo por serem tais procedimentos desnecessário à proteção da saúde, que já dispõe de meios técnicos tais como vacinação e esterilização para evitar que os animais sofram as conseqüências do aumento populacional e da disseminação de doenças . Decorre daí que o bem-estar animal e a saúde pública , longe de serem valores antagônicos ou inconciliáveis, são interesses que se vinculam e que se voltam a um mesmo fim.
A salubridade pública não será preservada enquanto não houver um adequado programa de esterilização, efetivas campanhas de vacinação e de posse responsável, pois o crescente número de animais não vacinados vagando pelas ruas é fato gerador da disseminação de doenças, que incumbe ao Poder Público erradicar. Controle de doenças não se faz sem controle de natalidade.
Portanto, é de natureza pública o interesse em implantar programas de esterilização , de vacinação em massa e de educação para a guarda responsável, pois é na defesa da saúde pública que tais campanhas operam, ao controlarem a população animal , o abandono e as zoonoses.
Da Ofensa aos Princípios Constitucionais Expressos que regem a Administração Pública
Os procedimentos efetivados pelos CCZ’s, além de contrariar a legislação pátria, ofendem a inúmeros princípios que devem nortear a administração pública.
E tal fato se reveste de extrema gravidade, como ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO in “Curso de Direito Administrativo”, p. 748 (São Paulo: editora Malheiros, 12ª edição, 2000), in verbis:
“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”.
Por fim, convém lembrar que o artigo 11 da Lei Federal 8.429, de 2 de junho de 1992, considera ato de improbidade administrativa qualquer atentado aos princípios que devem nortear a administração pública.
A Constituição da República, em seu artigo 37, traz princípios que devem pautar a conduta da administração pública na consecução dos seus objetivos e que são de observância obrigatória.
“Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)”.
a) Do Princípio da Legalidade
Enquanto ao particular é lícito fazer tudo o que a lei não veda, à administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. É a observância da legalidade, que a Constituição da República, no caput de seu artigo 37, traz como princípio limitador da atividade administrativa.
Da atual legislação ambiental, não se pode extrair permissão para a matança de animais não nocivos à saúde ou à segurança da sociedade, nem para qualquer ato ofensivo ao bem-estar animal, o que torna os procedimentos adotados pelos CCZ’s inconstitucionais, também por inobservância do princípio da legalidade.
b) Do Princípio da Eficiência
A Emenda Constitucional nº 19/98 acrescentou, aos princípios expressos da administração pública, o princípio da eficiência, que impõe a utilização adequada e racional dos meios disponíveis para se obter o melhor resultado possível, visando ao aperfeiçoamento do serviço público.
O serviço público prestado pelas municipalidades, no tocante ao controle das zoonoses, é ineficaz e inadequado, pois dele não resulta qualquer valia para o controle da raiva ou da superpopulação, conforme já sustentamos, o que caracteriza desobediência ao dever de eficiência imposto pela Lei Maior e pela legislação ordinária que protege o consumidor.
A discricionariedade que se concede à administração pública, traduzida em liberdade de ação administrativa, deve ser exercida dentro dos limites pré-traçados por lei, o que não se confunde com arbitrariedade, que é ação contrária à lei. Essa discricionariedade, em linhas gerais, significa que pode o administrador optar, dentre as possíveis direções, por aquela que lhe seja mais conveniente e oportuna, desde que a escolha realizada se mostre legal e eficaz, atendendo à finalidade de todo ato administrativo, que é o interesse público. Não lhe é dado agir livremente, optando por caminhos que não oferecem resultados satisfatórios, à custa de procedimentos que não se coadunam aos regramentos legais.
Mais uma vez, a contribuição de HELY LOPES MEIRELLES, em sua obra “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 92 (São Paulo: editora Malheiros, 1999) é, como de hábito, valiosa:
“Não cabe à Administração decidir por critério leigo quando há critério técnico solucionando o assunto. O que pode haver é opção da Administração por uma alternativa técnica quando várias lhe são apresentadas como aptas para solucionar o caso em exame”.
c) Do Princípio da Moralidade
Como ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, in “Curso de Direito Administrativo”, p. 89 (São Paulo: editora Malheiros, 12ª edição, 1999), ao se referir ao princípio da moralidade:
“De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada à invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição”.
A política de saúde pública adotada pelas municipalidades, no tocante ao controle de zoonoses, é a do descaso pela vida, tanto humana quanto animal. Relegando qualquer obrigação moral diante de seres vivos, as municipalidades capturam e matam os animais que permitiram nascer, na mais completa ausência de critério ou controle, não importando se o animal é, ou não, nocivo à saúde pública. Os CCZ’s atuam sem qualquer fundamento ético, técnico ou econômico, invocando recomendações da Organização Mundial de Saúde ultrapassadas há mais de dez anos, para acobertar a arbitrária política da dor e da morte. Viola-se a maior das leis, que é a lei da ética.
Condenar ao extermínio centenas de milhares de animais saudáveis pelo Brasil afora, pelo só fato de não serem cuidados por alguém, é o mesmo que admitir que o animal só tem direito à existência se de alguma forma sua vida se prestar a servir ao ser humano, ou se ligar a ela. É como se a vida de um animal não tivesse valor em si mesma, só valendo na medida da utilidade que possa ter aos humanos. É sucumbir à visão antropocêntrica, que tanto alimenta a arrogância humana e conduz a nossa espécie a explorar todas as outras.
Convém lembrar que é preceito de moralidade administrativa observar os ditames legais e os limites que emanam dos princípios de Direito. Assim, seja por se desviar da lei, seja por não manter uma postura ética diante da vida, a administração pública atenta contra o princípio da moralidade.
Dos princípios constitucionais implícitos que regem a Administração Pública.
Conquanto não mencionados no caput do artigo 37, outros princípios nele encontram-se implícitos ou do sistema constitucional decorrem, ou, ainda, estão dispostos de maneira expressa na legislação administrativa esparsa, cuja observância está sendo relegada manifestamente pela administração pública, tais como:
a) Do Princípio da Finalidade:
Dito princípio apregoa que toda ação administrativa deve atender, rigorosamente, ao fim legal a que está obrigada, que é o interesse público, além de cumprir as específicas finalidades nela previstas.
Como já foi sustentado, a Administração Pública não está atendendo às finalidades impostas pelas normas de saúde pública, que é a prevenção e controle das doenças, razão pela qual a raiva ainda não foi erradicada no país. Captura e mata, alegando cumprir normas de saúde, que não são respeitadas em sua essência, que é a finalidade que ensejou sua edição.
Com muita propriedade, elucida CAIO TÁCITO, em sua obra “Direito Administrativo”, p. 80 (São Paulo: editora Saraiva, 1975), verbo ad verbum:
“A lei não concede autorização de agir sem um objetivo próprio. A obrigação jurídica não é uma obrigação inconseqüente; ela visa a um fim especial, presume um endereço, antecipa um alcance, predetermina o próprio alvo”.
E qual o alcance do método baseado na captura seguida de morte? Quais os objetivos visados pelas Municipalidades, ao insistir em adotar procedimentos já tidos por ineficientes pela OMS?
b)Do Princípio da Razoabilidade
Implícito na Constituição da República, mas explícito na Constituição Estadual Paulista, em seu artigo 111, o princípio da razoabilidade impõe limitações à discricionariedade administrativa.
Como já sustentamos, quanto à finalidade da norma, não resta à Administração nenhuma discricionariedade, incumbindo-lhe fiel obediência ao comando legal. A razão de invocarmos tal princípio está no limite que ele impõe quanto à escolha dos meios para se atingir a finalidade da norma, que devem ser compatíveis e adequados à consecução da finalidade traçada pela norma.
Ao insistir em método da captura que já se sabe incapaz de satisfazer o propósito da lei, que é o de controlar as doenças, frustra-se a finalidade postulada pela norma, o que equivale a desatendê-la.
Tal princípio exige proporcionalidade entre os meios de que se utilize a Administração e os fins que ela deve alcançar.
Não há como sustentar a razoabilidade de uma matança que não atende a critérios legais ou científicos , baseada no só fato de o animal pertencer , ou não, a alguém, já que animais resgatados pelo proprietário ou adotados não são eliminados. Tal meio não é proporcional ao fim que se deve alcançar, uma vez que a saúde pública estaria resguardada pela só eliminação do animal nocivo, que comprovadamente ofenda à segurança ou à saúde da população, e não pelo extermínio de toda a população de cães e gatos sem dono, como pretende a Municipalidade. Salta aos olhos a ausência de motivo , razoabilidade dos meios e sua proporção com a finalidade perseguida.
Por serem dispendiosos , desproporcionais e ineficazes , os meios utilizados ofendem ao princípio da razoabilidade, relegando o interesse público que obriga a Administração a eleger meios eficazes
É o que também leciona CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO in “Curso de Direito Administrativo”, p.24 (São Paulo, editora Malheiros, 5ª edição, 1994):
“ Se a lei outorga poderes discricionários à Administração Pública é porque quer que ela, diante do caso concreto, encontre a melhor solução para atender ao interesse público.”
c) Do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público
Todo o sistema do Direito Administrativo se constrói sobre o princípio da indisponibilidade pela administração dos interesses públicos. Sendo os animais pertencentes ao meio ambiente, que deve ser protegido e assegurado para o uso de todos, está claro que o interesse que qualifica a sua tutela é de natureza pública, o que o torna também indisponível. Sobre tal indisponibilidade, é conveniente trazer o esclarecimento autorizado de ÉDIS MILARÉ, em sua obra “Direito do Ambiente”, p. 113 (São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2001):
“Não é dado, assim, ao Poder Público, menos ainda aos particulares, transigir em matéria ambiental, apelando para uma disponibilidade impossível. Ao contrário, se a defesa do meio ambiente é um dever precipuamente do Estado, que só existe para prover as necessidades vitais da comunidade, torna-se possível exigir coativamente até, e inclusive pela via judicial, de todos os entes federados o cumprimento efetivo de suas tarefas na proteção do meio ambiente”.
Decorre daí que a Administração Pública não tem disponibilidade sobre os interesses qualificados como ambientais, de natureza difusa e indisponível. À administração incumbe apenas cuidá-los, o que, definitivamente, não vem ocorrendo, uma vez que os animais são maltratados e mortos como se deles a administração pudesse dispor ao seu alvedrio.
d) Do Princípio da Motivação
Tal princípio traduz-se no dever da administração de justificar seus atos, apontando-lhes as razões de fato e de direito que os autorizam.
Como já foi demonstrado, a eliminação de animais não encontra respaldo técnico, por não se prestar ao controle da população animal e das zoonoses, pelo que o ato carece de motivação.
Nem se diga que os atos em comento são vinculados, devendo os agentes da saúde pública atuar em consonância com eventual lei municipal que determina a eliminação de animais não reclamados, pois não existe razão para que o administrador se ajuste à lei municipal, enquanto ofende a todas as outras normas maiores, federais e constitucionais.
Da Ofensa aos Princípios do Direito Ambiental
a) Da inobservância do Princípio da Precaução
Os objetivos do Direito Ambiental são precipuamente preventivos , ou seja, voltados para o momento anterior à consumação do dano , já que a reparação nem sempre é possível. Isso faz com que o Direito Ambiental seja regido, dentre outros princípios, pelo da precaução, sendo certo que a todos, e ao Poder Público especialmente, compete prever e prevenir condutas lesivas ao meio ambiente, bem como atuar no sentido de reparar o dano.
Significa que, ante a dúvida sobre o dano que poderá ou não causar determinada conduta, dela deve o Poder Público se abster ou agir para sua coibição.
Noutro dizer, deve o administrador não apenas deixar de atuar quando a conduta implicar em risco ao meio ambiente, como proceder a medidas acautelatórias para evitar o dano.
O princípio da precaução, ao lado dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e da eficiência , traçam as regras que devem pautar a conduta da criação legislativa e da Administração Pública, que deve ser a busca pela otimização, ou seja, deve-se legislar e administrar optando pela melhor solução que atenda ao interesse público, com a submissão às normas em vigor.
Sendo certo que a única maneira eficaz e preventiva de se atuar no combate à raiva e à superpopulação de animais é a esterilização visando ao controle da natalidade e a educação da população , percebe-se que o atuar da Administração Pública, também não se pauta pelo princípio da precaução.
Convém mencionar que tal princípio foi incorporado expressamente pelo nosso ordenamento jurídico , por meio da “Conferência sobre Mudanças do Clima”, acordada pelo Brasil no âmbito da Organização das Nações Unidas e ratificada pelo Congresso Nacional, via Decreto Legislativo nº2, de 3 de fevereiro de 1994.
b) Da inobservância do Princípio Constitucional da Educação Ambiental
O Poder Público deve promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, conforme exigido pelo artigo 225, caput e § 1º, inciso VI, da Constituição da República e pelo artigo 2º, inciso X da Lei nº 6.938.81 .
Não há como negar que a procriação desordenada, da qual decorre a superpopulação de animais de rua, é conseqüência da ineficaz política de saúde pública das municipalidades, que não realizam campanhas de conscientização e de educação ambiental que estimulem a posse responsável e a esterilização, o que evitaria a procriação desenfreada e o crescente abandono de animais.
Da Função Institucional do Ministério Público
Declara a Constituição da República, em seu artigo 129, inciso III, ser função institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente . Também o artigo 103 , inciso VIII , da Lei Orgânica do Ministério Público a essa função se refere, mencionando não só a proteção, mas a prevenção e reparação do dano ao meio ambiente.
O Ministério Público ocupa posição fundamental na defesa do meio ambiente , também , por ser o único autorizado a promover o inquérito civil ( C F ,art. 129,III, c/c o art. 8°, § 1º da Lei 7.347/85 ) e com poderes de notificação e requisição ( C F, art.129, VI e VIII ).
Já o artigo 2°, § 3° , do Decreto 24.645 de 1934 atribui aos promotores de justiça a obrigação de assistir os animais em juízo, por serem seus substitutos legais. Apesar da impropriedade técnica dos termos utilizados, é incontroverso que a defesa dos animais em juízo incumbe ao Ministério Público , e não só às entidades protetivas, que não podem realizar as investigações necessárias, nem possuem legitimidade para firmar compromisso de ajustamento de conduta.
Uma vez que compete privativamente ao Ministério Público promover a ação penal pública, na forma da lei, como assevera o artigo 129, inciso I da Constituição da República , cabe aos seus representantes reprimir os procedimentos que incidem na norma punitiva do artigo 32 da Lei 9.605/98, como os atos de abuso , maus-tratos, e extermínio em massa de animais saudáveis, que não representam ofensa à saúde pública, praticados pela Administração Pública, por meio do Centro de Controle de Zoonoses, sem que desse proceder resulte qualquer valia para o controle epidemiológico ou da superpopulação de animais.
Da Ilegal Entrega de Animais às Entidades de Ensino e Pesquisa
Os centros de controle de zoonoses destinam animais às entidades de ensino e pesquisa, alegando estar a conduta amparada pela Lei Federal 6.638, de 8 de maio de 1979, como se a Lei de Crimes Ambientais, que lhe é posterior, não houvesse restringido a prática aos casos para os quais não há método alternativo. É a dicção do § 1º, do artigo 32, da Lei Federal 9.605/1998:
“Art. 32 – (…)
§ 1º. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos”.
A princípio, cumpre esclarecer que não há experiência didática ou científica que não seja dolorosa ou cruel, bem como há técnicas alternativas para todos os procedimentos que hoje se realizam em universidades e laboratórios, restando evidente a ilegalidade da experimentação que se vale de animais.
Sobre a existência dos recursos alternativos de que trata o § 1º, vale transcrever as considerações dos biólogos THALES TRÉZ e SÉRGIO GREIF, registradas na obra “A verdadeira face da experimentação animal – a sua saúde em perigo” (Rio de Janeiro: Sociedade Educacional Fala Bicho, 2000, p. 137):
“Partindo do pressuposto de que sempre existem alternativas, já que isto depende unicamente da capacidade do cientista, a lei teoricamente proíbe a vivissecção em todo o Brasil. O mesmo é reforçado pelo próprio cabeçalho do artigo, que proíbe qualquer ato de abuso, maus-tratos, ferida e mutilação em animais. A vivissecção sempre pode ser considerada abuso, ainda mais reforçado pelo fato de que fere e mutila animais.
(…)
Se a lei realmente funcionasse, não apenas o vivissector, mas também toda a instituição em que a vivissecção é praticada, seriam responsabilizados, e ambos estariam sujeitos às penalidades estabelecidas, conforme descrito nos artigos 2º e 3º da citada lei”.
Ao remeterem animais a entidades de ensino e pesquisa, estão os responsáveis pelos CCZ’s não só consentindo com o fato de serem os animais submetidos a maus-tratos, como colaborando com esse resultado, pois possuem pleno conhecimento do sofrimento que a experimentação poderá acarretar ao animal, mas assim mesmo, aceitam e admitem esse resultado. É mais uma evidência do descompromisso moral que possuem as municipalidades com o destino dos animais.
E, para efeito de argumentação, admitindo-se como válida a experimentação animal, o envio de animais dos CCZ’s à pesquisa, além de ilegal, afigura-se aberrante também sob o ponto de vista técnico, pois os animais que se prestam a experimentos são os criados em biotérios e, portanto, livres de parasitas, vermes, vírus ou bactérias, conforme afirmou SILVIA BARRETO ORTIZ, bióloga especializada em bioterismo da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo, em entrevista concedida ao jornal “O Estado de São Paulo”, de 3 de março de 2002, ipsis litteris:
“Muitos trabalhos de pesquisadores brasileiros já foram rejeitados por publicações internacionais porque não usaram animais limpos”.
Vale a pena transcrever trecho da citada matéria, que em tudo confirma o despautério que envolve a utilização de animais resgatados das ruas em pesquisas:
“Não adianta ter cientistas competentes trabalhando com animais sem padrão, que podem deturpar os resultados das pesquisas. Os ratos e camundongos que serão produzidos no biotério da FMUSP são livres de parasitas, vermes ou bactérias. Classificados como SPF, ou specific pathogen, no inglês, ocupam a quarta melhor categoria em termos de animais de laboratórios, ao lado dos germ free (sem germe) e dos virusfree (sem vírus).
(…)
Para reproduzir uma experiência, a fim de checar sua validade, os cientistas precisam se certificar de que trabalham com as mesmas condições da pesquisa original. Caso contrário, podem obter resultados diferentes, o que invalidaria todo o trabalho. Se o animal, no qual um medicamento foi pesquisado, está com pneumonia e morre, pode-se achar que morreu por causa do remédio, e não da doença. Se está com uma infecção intestinal, terá reações diferentes dos animais sadios”.
Vale notar que as Municipalidades atribuem aos animais um risco à saúde pública, sob a alegação de que seria apenas aparente a boa saúde de que gozam. Não se constrangem, contudo, em destinar esses mesmos animais à pesquisa, divulgando como científicos os resultados de estudos realizados com animais de saúde apenas aparente, e que não atendem, portanto, aos padrões mínimos exigidos pela metodologia científica.
Da Política Adotada Por Outros Países
Países como a Itália, França, Rússia e algumas cidades argentinas como Buenos Aires, Rosário, Quilmes e Almirante Brown, além de Barcelona e Málaga, na Espanha, condenaram o sacrifício de animais errantes como política pública de saúde e adotaram o método de controle da natalidade.
Proíbem o sacrifício de cães e gatos encontrados nas vias públicas, sendo a morte permitida apenas em caso de doença incurável ou comprovada periculosidade. Os animais capturados são vacinados e esterilizados. Na Itália, os animais são devolvidos à comunidade da qual foram retirados e na Argentina são encaminhados à adoção, ainda que bravios. Verifica-se que há uma tendência mundial em abolir a matança de animais
Referências Bibliográficas
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MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
TÁCITO, Caio. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Saraiva, 1975.
THORNTON, G.W. Pet overpopulation: Why is a solution so illusive? In: Urban Animal Management Discussion Papers, v. 18, 1993.
————-. The welfare of excess animals: Status and needs. In: Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 200, nº 5, p. 660, 1992.
TRÉZ, Thales; e GREIF, Sérgio. A Verdadeira Face da Experimentação Animal – A Sua Saúde em Perigo. Rio de Janeiro: Sociedade Educacional Fala Bicho, 2000.