Como Denunciar Práticas de Maus-tratos a Animais
Vanice Teixeira Orlandi
Condutas que submetem animais a maus-tratos constituem o crime ambiental de que trata o artigo 32 da Lei Federal nº 9.605/98, que comina pena de detenção de três meses a um ano, e multa, a quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. No caso de cão ou gato, a pena será de reclusão, de dois a cinco anos, além de multa e proibição da guarda do animal vitimado (modificação introduzida pela Lei Federal nº 14.064/20).
Por se tratar de prática prevista como crime, a competência para apurar maus-tratos pertence às autoridades públicas, e não às entidades de proteção aos animais, que apenas podem encaminhar cartas educativas, realizar alguma intervenção amistosa junto ao responsável pelo animal, ou encaminhar o caso aos órgãos competentes.
Na Capital de São Paulo, o fato deve ser noticiado ao DPPC – Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (Av. São João, 1247, Centro) ou registrado em qualquer distrito policial da Cidade, que encaminhará o expediente ao DPPC no primeiro dia útil subsequente, conforme o Decreto Estadual nº 62.179/2016.
É sempre preferível registrar, presencialmente, a ocorrência, mas caso o denunciante prefira, existe à sua disposição um serviço on line de registro de denúncias de maus-tratos, oferecido pela Depa, Delegacia Eletrônica de Proteção Animal, por meio do site www.webdenucia.org.br/depa. Apesar da necessidade de identificar-se para fazer a denúncia, caso o denunciante prefira, seus dados podem ser mantidos em sigilo.
Se o fato ocorrer em outra região do Estado de São Paulo ou do país, pode ser comunicado à Promotoria de Justiça local, ou ao Distrito Policial mais próximo.
Sempre que houver necessidade de investigação para apurar a prática da infração penal e identificar a sua autoria, o fato deve ser levado ao conhecimento da Polícia Civil.
Já a Polícia Militar deve ser acionada se o fato exigir a intervenção policial para a repressão imediata da infração como, por exemplo, no caso de um animal que esteja sendo espancado, ou sofrendo qualquer tipo de violência ou abuso.
Em caso de número excessivo de animais (na Capital, a Lei Municipal nº 13.131/2001 estabelece o limite de dez animais por residência), ausência de cuidados de higiene, presença de entulhos et cetera, a denúncia também pode ser apresentada à Prefeitura (via 156), que encaminha agentes para proceder à vistoria zoossanitária de residências e de estabelecimentos comerciais como Pet Shops, com poderes para orientar, notificar instaurar procedimento administrativo, e impor penalidades como aplicação de multa e apreensão de animais, conforme a gravidade da infração constatada e de acordo com os prazos legais que forem concedidos.
Maus-tratos em Condomínios
No Estado de São Paulo, a Lei Estadual nº 17.477/2021 obriga síndicos e administradores de condomínios residenciais ou comerciais a comunicarem às autoridades policiais a ocorrência, ou indícios de maus-tratos a animais, em unidades autônomas ou em áreas comuns do condomínio. A norma também tornou obrigatória a fixação de cartazes, placas ou comunicados nas áreas comuns do condomínio, que informe aos seus moradores sobre o disposto na referida lei estadual.
Do Comércio Ilegal de Cães e Gatos
A Lei Municipal paulista nº 14.483/07 proíbe a venda de cães e gatos em praças, ruas, parques e outras áreas públicas do Município de São Paulo.
Na Capital de São Paulo, tratando-se de comércio ilegal de cães e gatos, a denúncia deve ser apresentada à Subprefeitura daquele território, ou à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, se o fato se der em parques municipais (Lei Municipal nº 14.483/07 e Decreto Municipal nº 49.393/2008).
Cabe lembrar que o comércio ilegal de animais, no mais das vezes, também impõe sofrimento aos animais, o que autoriza a formalização de uma denúncia em uma unidade policial, como o DPPC, caso o fato ocorra na Capital.
Dos Canis e Gatis
Convém mencionar que a reprodução de cães e gatos só pode ser realizada por canis e gatis regularmente estabelecidos e registrados nos órgãos competentes, conforme determina o artigo 2º da Lei Municipal nº 14.483/07.
Não raro, atos de maus-tratos são praticados nesses estabelecimentos, e devem ser noticiados à autoridade policial, o que não exclui a formalização de uma denúncia junto à Prefeitura.
Na Capital, a Lei Municipal nº 14.483/07, estabelece uma série de obrigações a serem seguidas por canis e gatis, além de alvará de funcionamento, Cadastro Municipal de Vigilância Sanitária – CMVS e médico-veterinário como responsável técnico, inscrito no Conselho Regional de Medicina Veterinária.
Dos Pet Shops
Os pet shops e congêneres que comercializem cães e gatos devem, entre outras exigências sanitárias previstas pela Lei Municipal nº 14.483/07, possuir médico-veterinário responsável pelo estabelecimento, que deve estar presente durante todo o seu período de funcionamento.
Convém frisar que os cães e gatos devem estar esterilizados e microchipados, e caso estejam expostos à venda em situação que imponha algum tipo de sofrimento aos animais como privação de água e de alimento, falta de higiene, recinto que não disponha de espaço suficiente et cetera, o caso deve ser noticiado à Divisão de Vigilância e Zoonoses, sem prejuízo da comunicação à autoridade policial competente.
Dos Eventos de Doação de Cães e Gatos
A Lei Municipal paulista nº 14.483/2007 veda, em seu artigo 3º, a realização de eventos de doação de cães e gatos em praças, ruas, parques e em outras áreas públicas do Município de São Paulo. A fiscalização do cumprimento desse dispositivo cabe à Subprefeitura daquele território, ou à Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, se o fato se der em parques municipais (Lei Municipal nº 14.483/07 e Decreto Municipal nº 49.393/2008).
Eventos de doação de cães e gatos só podem ser realizados em estabelecimentos devidamente legalizados.
Os animais expostos para doação devem estar devidamente esterilizados e submetidos a controle de endo e ectoparasitas e também ao esquema de vacinação contra a raiva e doenças espécie-específicas, conforme respectiva faixa etária (Art.4º, §4º, da Lei Municipal nº 14.483/07).
Da Denúncia Relativa aos Animais Silvestres
Denúncias relativas a animais silvestres devem ser noticiadas ao Comando de Policiamento Ambiental do Estado de São Paulo, que é a unidade da Polícia Militar especializada em meio ambiente, que pode ser acionada por meio do 190, da Polícia Militar ou por meio do Disque Ambiente – 0800 113560.
“São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”, conforme define o §3º, do artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/98).
E o mesmo dispositivo descreve como crime ambiental “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.”
A norma comina pena de detenção de seis meses a um ano, e multa, enunciando que incorre nas mesmas penas quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida; quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
Na Capital de São Paulo, tratando-se de animais silvestres nativos vitimados como ocorre com os feridos por descarga elétrica, por linha de pipa, caça ou queimadas, em capturas não autorizadas, manutenção ilegal em cativeiro doméstico, dentre outros casos, o cidadão deve acionar a Divisão da Fauna Silvestre do Município (telefone: (11) 3885-6669 / WhatsApp: (11) 95220-0219) ou a Guarda Civil Metropolitana Ambiental, pelo fone 153.
Dos Veículos de Tração Animal e de Animais Montados
Na Capital de São Paulo, é vedada a circulação de veículos de tração animal e de animais, montados ou não, em vias públicas pavimentadas do Município de São Paulo, excluindo-se aqueles utilizados pelo Exército Brasileiro e pela Polícia Militar, em qualquer situação, conforme o artigo 2º da Lei Municipal nº 14.146/2006.
E o artigo 3º da mesma norma proíbe a permanência desses animais, soltos ou atados por cordas, ou por outros meios, em vias ou em logradouros públicos da cidade, pavimentados ou não.
Caso o animal seja encontrado em uma das situações vedadas pela norma, o munícipe deve informar à CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) a quem compete reter o animal e acionar o órgão municipal controlador de zoonoses para proceder ao seu recolhimento, requisitando força policial, se necessário, como ordena o artigo 7º da Lei Municipal nº 14.146/2006.
Da Denúncia contra Médico-Veterinário ou Clínica Veterinária
Denúncias contra procedimentos realizados por médico veterinário devem ser enviadas ao Conselho Regional de Medicina Veterinária que, mediante indícios, instaura o competente processo ético.
Das Provas
Cabe lembrar que o denunciante não está obrigado a colher provas como fotos, vídeos ou declarações, por ser esta uma atribuição das autoridades investidas de poderes e recursos para tal.
Para provocação das autoridades, basta o oferecimento da “notitia criminis”, ou seja a comunicação do fato delituoso.
Da Legislação Municipal
É fundamental que se pesquise a legislação municipal existente em cada Cidade, pois muitas delas possuem normas específicas sobre comércio de animais, tráfego de veículos de tração animal, programas de controle reprodutivo, funcionamento de Pet Shops, eventos de doação de cães e gatos et cetera.
Da Salvaguarda dos Animais
Muitas vezes, há relatos de situações graves como submissão a espancamentos e privação de alimento, ausência de abrigo contra as intempéries, de assistência veterinária et cetera. Nesses casos, o delegado de polícia ou o promotor de justiça pode, no curso do inquérito, representar ao juiz, pleiteando a busca e apreensão do animal vitimado, evitando, assim, seu padecimento e morte, ainda no curso das investigações.
Dos Maus-Tratos
Não só os atos de violência podem ser identificados como maus-tratos, mas também, como a própria expressão sugere, todos os atos que demonstrem que o animal não está bem tratado, ou seja, que denotem descuido, como falta de assistência veterinária, de higiene ou de abrigo das intempéries.
Ao cominar pena a quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, a norma penal não se limitou a tipificar (tornar crime) apenas a prática de maus-tratos, mas também os atos de abuso, de ferir e de mutilar animais, instituindo, portanto, quatro figuras típicas, ou seja, quatro condutas delituosas.
Como a lei não contém palavras inúteis, conclui-se que as condutas de “abuso” e “maus-tratos” podem se consumar, independentemente, da ocorrência de lesão, imprescindível apenas às modalidades “ferir” e “mutilar”.
Se a lesão fosse condição essencial à consumação daqueles crimes, bastariam os verbos núcleos do tipo “ferir” e “mutilar” ao tipo, sem a necessidade de o legislador se referir, também, aos atos de “abuso” e de “maus-tratos”.
Assim, não há necessidade de constatação de lesão para que se dê por configurado o crime de abuso e de maus-tratos, uma vez que tal imposição não se contém nos elementos do tipo do referido crime, que pode se consumar sem deixar vestígios (rastros, marcas, sinais).
Não se justifica, dessa forma, a exigência de prova pericial para apuração de maus-tratos e abusos com animais, já que o Código de Processo Penal, em seu artigo 158, só exige perícia para crimes que deixam vestígios. Convém lembrar que o juiz também não está adstrito ao laudo, o que diminui, ainda mais, a relevância desse documento.
É certo que a par do sofrimento físico imposto ao animal, que pode ou não deixar vestígios, existe sempre o sofrimento mental, igualmente penoso e presente, sobretudo, em casos que envolvem sujeição a confinamento e a isolamento contínuos. É o caso do cão acorrentado, que deve suportar o padecimento de viver sob restrição da liberdade de movimentos e de locomoção, e em constante isolamento, situação que contraria a sua natureza gregária.
Do Abuso
Sofrimento, também, é o que se impõe aos animais por meio de atos de abuso, prática que apesar de delitiva é consentida diante do silêncio da maioria das autoridades.
Constitui ato de abuso subjugar o animal para forçá-lo a exercer determinada atividade ou submetê-lo à situação que lhe impeça a manifestação de seus comportamentos naturais. Exemplo clássico de abuso se verifica na utilização de animais para fins de entretenimento humano.
Nos circos, eles são compelidos à realização de “números” que desafiam suas características físicas e comportamentais. Nas provas de laço e nas vaquejadas, animais são transformados em alvo de perseguição. Abusivo, também, é o aprisionamento de pássaros e aves, privados do voo e do direito à liberdade.
Animal em Casa Abandonada
Noutro ponto, merece registro a resistência das autoridades em resgatar animais em situação de perigo ou de maus-tratos, em casa abandonada ou fechada, cujo morador se encontra ausente, em virtude de viagem, prisão ou mudança. Trata-se de animais abandonados, que podem vir a sofrer morte agônica,pois se encontram sob privação de água, alimento e cuidados de higiene, quando não expostos a condições ainda mais evidentes de perigo concreto.
Cumpre mencionar que é legítima a invasão de domicílio para socorro de animal abandonado ou vitimado por maus-tratos, uma vez que a Constituição da República consagra, em seu art. 5º, inciso XI, exceções ao princípio da inviolabilidade do domicílio, permitindo que nele se adentre em caso de flagrante delito ou para prestar socorro. É lícita, portanto, a entrada em casa alheia, mesmo sem o consentimento do morador, ou na sua ausência, se ali houver animal abandonado ou submetido a maus-tratos.
Nem se diga que a invasão não está autorizada para prestar socorro a animais e que a norma citada se destina, exclusivamente, à salvaguarda de humanos, sobretudo porque a mesma Constituição da República, em seu artigo 225, §1º, inciso VII, declara incumbir ao Poder Público vedar as práticas que submetam animal à crueldade. Se a norma não distingue, não pode o intérprete distingui-la.
Ademais, o Código Penal, em seu art. 150, § 3º, inciso II, enuncia que “não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser”.
E quando o abandono da casa é evidente, os agentes públicos também podem invadi-la, uma vez que não constitui crime a invasão de casas desabitadas, como se depreende da redação do § 4º, inciso I, do mesmo dispositivo.
Do Abandono de Animais
Sabe-se que o abandono, pelo sofrimento que impõe ao animal, pode configurar prática de maus-tratos, o que depende de entendimento das autoridades competentes envolvidas no expediente.
Convém, entretanto, lembrar que o ato de abandonar não consta dos elementos do tipo penal do artigo 32 da Lei nº 9.605/98, não sendo, portanto, previsto como crime. Isso porque, segundo o artigo 1º do Código Penal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem há pena sem prévia cominação legal. E a Constituição da República consagra a mesma determinação, sob a forma de princípio da legalidade e da anterioridade, em seu art. 5º, inciso XXXIX.
Na Capital, o abandono é punido como ilícito administrativo, pelo art.23 da Lei Municipal nº 13.131/2001, que estabelece pena de multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), por animal abandonado, aplicada pelo órgão responsável pelo controle de zoonoses do Município.
Da Apresentação de Denúncia Falsa
Muito comum é o oferecimento de falsa denúncia de maus-tratos, motivada por vingança pessoal, como ocorre no caso de atritos entre vizinhos, descontentamento ou demissão de funcionários, conduta tida por delituosa, segundo o Código Penal.
Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado constitui o crime previsto pelo artigo 340 do Código Penal (falsa comunicação de crime).
Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, constitui crime de denunciação caluniosa, previsto pelo artigo 339 do Código Penal, que sujeita o infrator à reclusão de dois a oito anos e multa, pena que é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.
Da Instauração de Processo por Interesse Pessoal
Prevê, ainda o Código Penal, em seu artigo 319, o crime de prevaricação, que ocorre no caso da autoridade que retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou o pratica contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Da Importância de Denunciar
Ainda são frequentes os atos que vitimam animais, que sofrem sem defesa e sem protesto. E poucos são os que se propõem a noticiar o fato aos órgãos competentes.
Apesar da existência de inúmeros instrumentos administrativos e processuais destinados à efetiva salvaguarda dos animais, sem que haja a formalização de uma denúncia e a devida atuação das autoridades, a norma punitiva torna-se letra morta, incapaz de conferir defesa alguma aos seus tutelados.
Vanice Teixeira Orlandi – Advogada, Psicóloga Educacional, Assessora Parlamentar, Presidente da União Internacional Protetora dos Animais.