Constitui ato de abuso subjugar o animal para forçá-lo a exercer uma certa atividade ou submetê-lo à situação que lhe impeça a manifestação de seus comportamentos naturais. Assim, a utilização de animais para fins de entretenimento humano é o exemplo clássico de abuso.
Nos circos, os animais são compelidos à realização de “números” que desafiam suas características físicas e comportamentais. Nas provas de laço e nas vaquejadas, os animais são transformados em alvo de perseguição.
Abusivo também o aprisionamento de pássaros e aves, privando-lhes do privilégio do voo e do direito à liberdade.
Vale citar, ainda, a prática, aparentemente simpática, denominada “agility”, que obriga o cão a ultrapassar obstáculos, com grau considerável de dificuldade e no menor tempo possível, por razões de competitividade. Só à custa de subjugação é que o animal se curva à vontade do instrutor, vencendo os obstáculos que lhe são impostos.
E tudo para mera diversão dos humanos.
Merece ainda registro a omissão das autoridades diante da notícia de permanência de animal em situação de perigo ou de maus-tratos, em casa abandonada, ou fechada, cujo morador está ausente, em virtude de viagem, de prisão ou de mudança.
Trata-se de animais em situação de abandono, sob privação de água, de alimento e de cuidados de higiene, quando não estão expostos a situações ainda mais gritantes de perigo concreto. Mas as autoridades se negam a invadir a casa, permitindo que os animais sofram morte agônica, sem socorro algum.
Cumpre mencionar que é legítima a invasão de domicílio para socorrer animal abandonado, ou vitimado por maus-tratos, uma vez que a Constituição da República consagra, em seu artigo 5º, inciso XI, exceções ao princípio da inviolabilidade do domicílio, ao permitir que nele se adentre em caso de flagrante delito ou para prestar socorro. É lícita, por isso, a entrada em casa alheia, mesmo sem o consentimento do morador, ou na ausência dele, se ali houver animal abandonado ou submetido a maus-tratos.
Nem se diga que a invasão não está autorizada para prestar socorro a animais, pois nada existe no ordenamento jurídico que permita inferir que a norma citada se destine, exclusivamente, ao socorro de humanos, sobretudo porque a mesma Constituição da República, em seu artigo 225,§1º, inciso VII, declara incumbir ao Poder Público vedar as práticas que submetam animal à crueldade. Se a norma não distingue, não pode o intérprete distingui-la.
Ademais, o Código Penal, em seu artigo 150, § 3º, inciso II, enuncia que “não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.”
Nem mesmo quando o abandono da casa é evidente, os agentes públicos a invadem, a despeito de não constituir crime a invasão de casas desabitadas, segundo o Código Penal, artigo 150, §4º, inciso I.
Pelo quanto se disse, já se conclui que a indiferença e o despreparo das autoridades fazem da norma jurídica letra morta, incapaz de prover proteção aos seus tutelados.
A despeito de todos os motivos morais que desautorizam a sujeição de seres vivos a sofrimento, e dos inúmeros instrumentos administrativos e processuais cabíveis para fazer cumprir a legislação protetiva, prosseguem impunes os atos de abuso e de maus-tratos aos animais.