Vanice Teixeira Orlandi
Recentemente, um projeto de lei permissivo do acorrentamento de animais chamou a atenção para uma conduta que representa cerca de oitenta por cento das denúncias de maus-tratos apresentadas à Uipa- União Internacional Protetora dos Animais.
Apesar do sofrimento que impõe, a conduta de atrelar animais a correntes, ou a objetos similares, ainda constitui uma prática comum, que chega a ser tolerada pelas autoridades e adotada por muitos daqueles que mantêm cães, e até gatos, sob a sua guarda.
Mas esse hábito deve ser questionado por quem convive com animais e denunciado por quem se importa com seu bem-estar.
Exercícios físicos, caminhadas e brincadeiras são algumas das atividades essenciais à saúde física e mental dos animais, que não podem ser desempenhadas por animais atrelados a correntes.
Ao restringir a sua liberdade de locomoção, o acorrentamento retira do animal o direito ao exercício de alguns comportamentos que lhe são próprios como o de explorar o ambiente, de aproximar-se daquilo que o atrai, de afastar-se do que o amedronta, de capturar pequenas presas, de buscar a atenção de pessoas, sociabilizando-se com elas e com outros bichos.
Animal algum suporta permanecer, alimentar-se e dormir no mesmo local onde lança seus dejetos, situação que lhe é imposta pelo acorrentamento.
Calos de apoio, ou escaras de decúbito, também surgem em decorrência do sedentarismo do animal atrelado a correntes.
Muitos se tornam agressivos ou destruidores, até porque o isolamento conduz ao tédio e à solidão. Um comportamento medroso também pode surgir, uma vez que o animal preso sabe que está impossibilitado de escapar de algo que lhe represente um perigo ou uma ameaça.
Animais acorrentados, muitas vezes, ainda sofrem pela impossibilidade de buscar abrigo do sol. Isso porque o movimento da terra faz com que áreas que estejam sombreadas em certos períodos do dia tornem-se ensolaradas em outros momentos.
A conduta ainda representa um risco para o animal. Há registro de cães que enforcaram-se ao cair de lajes, onde encontravam-se acorrentados, sobretudo pelo pânico causado por fogos. As correntes podem se enroscar em árvores, arbustos, ou em outros objetos, ferindo o animal. Em caso de incêndios, enchentes ou outros desastres, o animal acorrentado não dispõe de chance alguma de sobrevivência.
Interessante notar que muitos acreditam que o acorrentamento não seria uma conduta condenável, caso a corrente não seja curta. Ora, o acorrentamento aprisiona e maltrata, independentemente do tamanho da corrente ou do aparato similar utilizado. Além disso, o conceito de “curto” é subjetivo, não se prestando a ser usado como um parâmetro de conduta.
Dentre tantas denúncias recebidas pela Uipa, merece destaque aquela referente a um cão que foi mantido acorrentado durante todo o seu processo de crescimento, de forma que a corrente lhe penetrou a pele, atingindo seu pescoço, deixando aparentes o tecido subcutâneo e a musculatura adjacente. Casos como esse evidenciam a necessidade de uma punição exemplar.
Ideal seria que houvesse lei específica que vedasse manter animais presos a correntes ou a aparatos similares. Na falta de norma especial, à vista do sofrimento que é imposto ao animal, a prática deve ser punida por incidir no artigo 32 da Lei Federal n° 9.605/98, que tipificou os atos de abuso e de maus-tratos com animais como crime ambiental.
Trata-se de crime permanente já que o bem jurídico tutelado, que é o bem-estar do animal, mostra-se continuamente violado, prolongando-se no tempo a consumação do crime, por vontade do infrator.
O convívio com animais deve pressupor respeito e compaixão, conceitos que não se conciliam com o ato de acorrentar. Não existe justificativa plausível para essa prática. Não se pode chegar ao ponto de privar o animal daquilo que lhe é tão essencial, como a liberdade, para atender aos interesses de quem lhe detém a guarda.