Foi sancionada, com vetos, a Lei Federal nº 13.426/2017, que prevê programa de esterilização de animais, com tratamento prioritário aos animais pertencentes ou localizados nas comunidades de baixa renda, além de campanhas educativas pelos meios de comunicação adequados, que propiciem a assimilação pelo público de noções de ética sobre a posse responsável de animais domésticos.
Quem conhece a realidade do país não ignora que a esmagadora maioria dos municípios brasileiros não dispõe de programa algum que contemple medidas como esterilização de cães e gatos, ou educação para a guarda responsável.
Muitos recorrem à Uipa, solicitando à entidade que interceda junto às autoridades locais para que um programa seja criado e executado, o que demanda procedimentos morosos e complexos, no mais das vezes, compostos de representações oferecidas ao Ministério Público em que se tenta demonstrar a relevância e a imprescindibilidade de tais programas, em inquéritos civis, que se arrastam por anos, até que a Municipalidade se curve à necessidade de criar um programa de esterilização. Isso quando não são necessárias medidas bem mais rigorosas em face da Prefeitura!
Havendo agora uma norma federal que prevê a criação do programa de esterilização e educação, essa fase está superada. Já não precisamos demonstrar ao Ministério Público a importância de se esterilizar cães e gatos e promover e campanhas educativas para que esse órgão instaure expedientes que visem obrigar as Municipalidades a implantarem um programa. Agora é lei!
Existe um mandamento legal a ser cumprido e a origem dos recursos terá que ser estabelecida no Decreto que o regulamentará.
Desconhecendo o histórico dos fatos, muitos lamentaram o veto do dispositivo que afirmava que as despesas com o programa viriam da Seguridade Social.
Na época em que o projeto foi elaborado, autoridades sanitárias já contestavam que tais recursos viessem da Saúde, em oposição ao trabalho da Uipa, que desde o início dos anos 2000, já obtinha vitórias contra a eliminação sistemática de cães e gatos, obrigando as Municipalidades a esterilizar, recuperar e encaminhar à adoção os animais recolhidos.
Por isso, fez-se questão de frisar que as despesas com o programa viriam da Saúde (Seguridade Social, Constituição da República, artigo 194), estabelecendo-se, ainda, que caberia ao Ministério da Saúde regulamentar a norma.
Sabe-se, entretanto, que incumbe ao Chefe do Executivo, ao regulamentar a matéria por Decreto, indicar de qual pasta virão os recursos, sob pena de inconstitucionalidade, diante dos limites impostos também pelo artigo 167 da Constituição da República, que veda o início de programas não incluídos na lei orçamentária anual.
É certo que um intenso lobby do Ministério da Saúde forçou os vetos, uma vez que as autoridades sanitárias recusam-se a manter programas voltados para cães e gatos, posicionamento que recrudesceu desde a aprovação da Lei Estadual Paulista 12.916/2008, também redigida pela Uipa que proibiu a eliminação de cães e gatos saudáveis, e que, atualmente, busca forças na edição da Portaria nº 1.138, de 23 de maio de 2014, do Ministério da Saúde, segundo a qual as ações, programas e serviços relacionados a cães, gatos e a outros animais não seriam atribuições cabíveis aos órgãos controladores de zoonoses.
Esse entendimento teria fundamento no art. 2º, inciso II, da referida Portaria, que define animal de relevância para a saúde pública como “todo aquele que se apresenta como suscetível para alguma zoonose de relevância para a saúde pública, quando em situações de risco quanto à transmissão de agente etiológico para humanos”.
Dessa forma, ações e serviços de prevenção em saúde como recolhimento e esterilização de cães e gatos, bem como a realização de campanhas educativas para a sua guarda responsável já não seriam atividades de competência dos órgãos controladores de zoonoses.
No caso de cães e gatos, entretanto, convém ponderar que, em tese, todos os cães e gatos, domiciliados ou não, apresentam-se como suscetíveis para alguma zoonose de relevância para a saúde pública, como leishmaniose, leptospirose, raiva, peste, verminoses, ectoparasitas, dentre outras, motivo por que as ações e serviços de saúde ligados a cães e gatos figuram, sim, dentre as atividades e serviços voltados para a vigilância, prevenção e controle de zoonoses, listados pela Portaria do Ministério da Saúde.
Vale lembrar que a eliminação de todo e qualquer cão ou gato encontrado em via pública, procedimento por quatro décadas efetivado pelos órgãos controladores de zoonoses, teve por fundamento, justamente, a susceptibilidade dos animais para apresentarem alguma zoonose transmissível para humanos.
Diferentemente do que vem sendo apregoado, incumbe, sim, aos órgãos municipais controladores de zoonoses o controle de população animal, como consta do Manual de Controle de Populações de Cães e Gatos no Estado de São Paulo, 2009, página 47:
“A responsabilidade de salvaguarda da saúde pública, no tocante ao controle de população animal, recai, nos municípios, sobre os órgãos executores de controle de zoonoses, cujas atribuições encontram-se reguladas por lei.”