Conceituada como ciência a serviço da coletividade, imprescindível à proteção da saúde animal, a medicina veterinária assume papel de especial relevância na defesa do bem-estar dos animais, motivo por que qualquer forma de agressão que venha a vitimá-los deve ser denunciada à autoridade competente, como bem estabelece o Código de Ética do Médico Veterinário (Resolução nº1.138, de 16 de dezembro de 2016) em seu artigo 2º, ao enunciar como um dos princípios fundamentais “denunciar às autoridades competentes qualquer forma de agressão aos animais e ao seu ambiente”.
No exercício da profissão, não raro, o médico veterinário se depara com indícios de que seu paciente foi alvo de maus-tratos. Sinais como um péssimo estado corpóreo, magreza excessiva, tumores aparentes em estágio avançado, pelagem opaca e sem cuidados de higiene podem apontar para o fato de que seu guardião falta com a obrigação legal de lhe prover assistência médico veterinária.
Cortes, queimaduras e hematomas injustificados podem ser resultantes de atos de maus-tratos a animais, prática tipificada como crime ambiental pelo artigo 32 da Lei Federal nº 9.605/98, que comina pena de detenção de três meses a um ano, e multa a quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Também passíveis de enquadramento nessa lei são os casos de acorrentamento contínuo, muitos dos quais provocam lesões profundas no animal, fato que não deve ser ignorado pelo profissional.
Vai daí a importância de questionar o responsável pelo paciente, na hipótese de alegações improváveis ou inconsistentes para justificar lesões, ou um estado geral muito prejudicado.
Mesmo naqueles casos em que não tenha havido o dolo direto, ou seja, a objetiva intenção de causar um malefício ao animal, seu responsável deve responder pelo ato praticado, uma vez que foi capaz de prever o resultado que sua conduta poderia ocasionar, mas prossegue da mesma forma, assumindo o risco de provocá-lo, consentindo, previamente, em sua produção. É o chamado dolo eventual ou indireto que pode existir, por exemplo, no caso de ausência, ou demora na prestação de assistência veterinária ao animal.
Muitas vezes, existe um desconhecimento por parte do guardião que o leva a causar alguma espécie de prejuízo à saúde e ao bem-estar do animal; há situações, entretanto, de evidente descaso por parte do responsável pelo animal, fato que não deve passar despercebido pelo médico-veterinário.
Solicitações de prática de eutanásia devem sempre ser recebidas com reserva, uma vez que apenas o profissional está apto a identificar se o quadro justifica, de fato, uma eutanásia, que só deve ser efetuada para abreviar o sofrimento do paciente, e jamais para resolver o problema de seu guardião.
Tendo em vista que o Código de Ética do Médico Veterinário estabelece, em seu artigo 3º, que o profissional deve empenhar-se para melhorar as condições de bem-estar dos animais, é de suma importância que o profissional instrua o guardião sobre algumas medidas protetivas que podem evitar muito sofrimento ao animal como, por exemplo, os horários recomendados para as caminhadas, a fim de poupá-los do forte calor e da alta temperatura do solo. Convém lembrar sempre ao responsável pelo paciente a importância dos passeios, não só para a realização de exercícios físicos, mas pelo lazer que proporcionam. Muitos desenvolvem comportamento agressivo, destrutivo ou de automutilação devido ao tédio ou à solidão que enfrentam em seu cotidiano, o que pode ser amenizado com passeios diários. Vale ainda orientar o guardião acerca da coleira e guia mais adequadas ao porte e às características do animal.
Questões relativas às condições de alojamento podem e devem ser abordadas pelo profissional, uma vez que ainda são comuns práticas danosas como as de deixar o animal exposto às intempéries, ou restringir sua liberdade de locomoção por meio de correntes, cordas ou aparato similar. A manutenção em laje é censurável, pois além da exposição ao tempo, o animal ainda pode sofrer uma queda. Essas práticas, inclusive, correspondem à esmagadora maioria das denúncias de maus-tratos apresentadas às associações protetoras dos animais. Comum também a permanência de gatos em ambientes não telados, o que ocasiona quedas, muitas vezes, fatais.
Cada vez mais frequente é a reprovável submissão de cães à prática de exercícios forçados. Muitos deles são obrigados a correr, contidos por coleira e guia, conduzidos por longos percursos, conforme o condicionamento físico de seu guardião, que nem sempre pode se equiparar ao de seu animal.
Guardiões devem ser informados sobre as necessidades e limitações de seu animal, que podem ser decorrentes do porte, da idade ou de alguma característica inerente à sua raça. Recomendável ainda que o guardião seja informado sobre a importância de seu comprometimento com o terapêutica do paciente para que se obtenha o êxito esperado.
Desejável também, que o profissional forneça orientações relativas ao valor nutricional da ração oferecida, sobretudo no tocante à qualidade e ao teor de proteína e extrato etéreo desse alimento. Muitos animais são alimentados com ração de baixa qualidade por falta de conhecimento de seu responsável.
Esses constituem alguns dos pontos que devem merecer atenção do profissional para que a medicina veterinária seja exercida com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade, como preconiza, em seu artigo 1º, o Código de Ética do Médico Veterinário.
Vanice Teixeira Orlandi é advogada, psicóloga com especialização na área de Educação e presidente da Uipa – União Internacional Protetora dos Animais.