Se atualmente, em pleno século 21, ainda presenciamos inúmeros maus tratos com animais, imaginem como era terrível o cenário em São Paulo nos derradeiros anos do século 19. A crueldade atingia não somente cães e gatos, mas em grande número também cavalos que empurravam as carroças, burros que serviam para o transporte coletivo nos bondes da Viação Paulista e também os touros que eram o chamariz das cruéis touradas da atual Praça da República. Um cenário desesperador que na Europa já estava mudando com leis e instituições mais eficazes.
Isso só começaria a mudar em 1893 com a intervenção de um suíço que estava em São Paulo a trabalho. Henri Ruegger resolveu denunciar os maus tratos que um cavalo estava sendo submetido em plena região central de São Paulo, mas então descobriu e indignou-se com o fato de no Brasil não existir até então nenhuma entidade dedicada à proteção dos animais.
Sua revolta chegou aos ouvidos da imprensa paulista e ao jornalista do Diário Popular, Furtado Filho, que acabou publicar um importante artigo sobre os maus tratos impostos aos animais e conclamou a sociedade paulistana a se unir na defesa dos direitos dos animais.
Dois anos mais tarde, liderados por Ignacio Wallace da Gama Cochrane, um grupo de damas e cavalheiros da sociedade paulistana uniram-se para a criação daquela que hoje é a mais antiga associação civil do Brasil: A União Internacional Protetora dos Animais, ou UIPA.
Começava assim, a trajetória brilhante de uma instituição que até hoje é voltada de maneira aguerrida a causa animal. E o início de funcionamento começou a causar muito impacto na defesa dos animais em São Paulo.
Ainda no século 19 a UIPA conseguiu uma importante vitória de defesa animal junto à prefeitura que foi a criação de depósitos para animais apreendidos (não se falava abrigo ainda) e também a decisão de passar a enviar os “cães vagabundos”, como eram chamados os cães de rua, para os novos depósitos que seriam geridos pela entidade, ao invés dos animais serem mortos envenenados.
Para se ter uma ideia da crueldade oficial vigente na época, cães de rua sequer eram levados para algum tipo de centro de zoonoses. Eles eram mortos por veneno no próprio local onde eram encontrados pelos agentes públicos. Isso só mudou com a ação da UIPA.
Abaixo, a publicação da lei número 390, de 21 de março de 1899 que pretendia acabar com essa cruel matança:
GRANDES NOMES DA SOCIEDADE FIZERAM DA UIPA UMA GRANDE ASSOCIAÇÃO:
Pouco mais de dez anos após sua criação, nas proximidade de 1910, a UIPA já havia se estabelecido como o braço sólido de apoio ao poder público e a população na defesa animal. As touradas da Praça da República, que fizeram muito sucesso entre 1900 e 1908, foram deixando de existir muito pela pressão desta associação, que tinha em seus quadros nomes de peso, como seu próprio fundador Ignacio Wallace da Gama Cochrane (bisavô de Eduardo Matarazzo Suplicy), Antonio Prado, Affonso Vidal, Alcântara Machado e René Thiollier.
Abaixo, trecho de uma das atas dos anos 1910, com a assinatura do próprio René Thiollier, responsável por grande expansão patrimonial da entidade:
No período em que Thiollier foi presidente da UIPA a associação cresceu e ampliou suas ações junto a proteção animal. Foi neste período em que a entidade lançou a publicação “Zoophilo Paulista” inspirada na revista portuguesa “Zoophilo”. A revista foi a primeira dedicada a falar de animais mas teve curta duração, sendo raríssimos os exemplares sobreviventes.
Nesta mesma época foram dados os passos para a construção da nova sede da entidade, no número 400 da rua França Pinto, Vila Mariana, onde além de receber denúncias contra os maus tratos a animais passaria a ter o primeiro hospital veterinário de São Paulo e também um cemitério de animais. Ambos serão abordados no artigo seguinte.
RUA FRANÇA PINTO ? MAS ONDE ?
O leitor deve estar perguntando em que lugar da rua França Pinto ficava a UIPA já que hoje ela está em outro bairro de São Paulo. Se você observar o número 400 desta rua hoje verá que dá em uma pequena casa antiga. Isso se dá porque a numeração da época era diferente da atual e o número 400 dos anos 1920-1930 equivaleria hoje ao número 2208, que não existe mais.
Este número ficava onde hoje é o Parque do Ibiraquera, entre os portões 4 e 5. Sim, é isso mesmo que você está pensando, parte do parque era da UIPA.
Quando a UIPA chegou a rua França Pinto não existia o Parque do Ibiraquera, não existia quase nada por ali. Eles foram um dos pioneiros da região, estabelecendo ali inicialmente os abrigos de animais, para cães e gatos, além de estábulos e também abrigos para outros animais. Logo se tornaram uma referência na região, especialmente com o hospital veterinário cujo primoroso atendimento levava pessoas de todos os cantos da cidade com seus animais de estimação.
Mesmo com a inauguração do Parque do Ibiraquera em 1955 a UIPA foi mantida no local, a proposta da entidade em uma área relativamente pequena do parque ia de encontro ao projeto de uma área de natureza. Isso tudo começaria a mudar na década de 70 na gestão do então prefeito Figueiredo Ferraz que fez tudo que estava a seu alcance para remover a UIPA de sua área original.
A idéia do então prefeito, sabe-se lá movido por quais razões, era levar a associação para o mais longe possível sendo oferecido e recusado um terreno em São Miguel Paulista, que seria uma mudança muito drástica para a organização. O prefeito, cujo mandato não chegou ao fim, acabou acertando a mudança para um local mais próximo, mas mesmo assim carente de tudo, no bairro do Pari em plena Marginal Tietê (ao lado do Estádio do Canindé) onde a entidade está até os dias atuais.
Dos anos 1970 para cá o cenário da proteção animal mudou bastante. Novas instituições surgiram pelo país para aumentar ainda mais a defesa dos bichos, novas leis foram escritas e novas punições foram criadas. Mesmo com todas estas novidades a mais antiga instituição brasileira ligada a defesa animal sobreviveu e está até hoje atuando com muita força e garra.
Apesar de seus 120 anos de atuação a UIPA, como muitas outras instituições nacionais, enfrenta muitas dificuldades para manter-se ativa e protegendo os animais. As amplas instalações demandam muitos voluntários e funcionários e estes últimos geram um custo que muitas vezes a associação tem dificuldades para manter.
É ai que entra a sua colaboração como paulistano. Contribuir com a UIPA é um ato bondoso que contribui com a defesa animal, com a saúde pública e também com história de São Paulo. Nós do São Paulo Antiga temos a imensa satisfação e prazer de colaborar com esta entidade que está há 120 inserida no cenário histórico de São Paulo e atuando em uma causa digna e de maneira heróica.
Por isso pedimos aqui que você faça uma contribuição com a UIPA. Existem várias maneiras para tornar sua ajuda uma realidade. Você pode ir diretamente ao site e associar-se a entidade para uma colaboração mensal ou uma doação esporádica pelo PagSeguro ou então doar na campanha que a associação criou no Kickante e que vai até 22 de dezembro. Se você é nosso leitor assíduo faça uma colaboração lá!
Veja mais fotos da antiga sede da UIPA no Ibirapuera feitas em maio de 1955: